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Em missão à Suíça para conhecer os sistemas alimentares locais, Gabriel Delgado conta como uma das experiências mais diretas de democracia pode ser uma ótima plataforma para uma agricultura forte, sustentável, inclusiva e participativa

Diversidade Produtiva e Sustentabilidade com Garantia Constitucional

País de publicação
Brasil

 

Gabriel Delgado em Missão na Suíça
  Grupo de brasileiros em missão na Suíça – visita ao Palácio Federal – Gabriel Delgado – terceiro à direita

Brasília, 19 de maio de 2022 (IICA) - A convite da embaixada da Suíça no Brasil, o representante do IICA no Brasil e coordenador da região Sul, Gabriel Delgado, participou, no início de maio, de uma missão para conhecer os sistemas alimentares suíços. O objetivo do governo suíço foi apresentar modelos de sistemas alimentares sustentáveis, inovações tecnológicas e políticas públicas. Além de Gabriel, participaram da missão de alto nível representantes brasileiros de instituições de peso como Senado Federal, Câmara dos Deputados, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério das Relações Exteriores, Embrapa, Confederação Nacional da Agricultura (CNA), representação do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Instituto Pensar Agropecuária.

 Segundo Delgado, além de conhecer os sistemas alimentares suíços e os efeitos da experiência direta de democracia naquele país -  não apenas na sociedade, mas também na agricultura -, a missão proporcionou a oportunidade de formação de rede e o estabelecimento de conexões próximas com todas as instituições estratégicas que estiveram presentes, com oportunidades reais de cooperação. As diversas atividades e reuniões organizadas durante a missão, que aconteceu no início de maio e reuniu dez especialistas, devem promover o intercâmbio de conhecimentos e de melhores práticas entre atores dos dois países.

Atenta às mudanças globais no setor de alimentos e às demandas e novos hábitos dos consumidores, a Suíça tem investido em inovação e busca a liderança na modernização nas cadeias de valor alimentares. Um mapeamento no ecossistema de inovação e FoodTechs suíços, feito pela Swiss Food & Nutritions Valley and Accenture, identificou mais de 280 atores chave neste setor. No Brasil, o governo suíço mapeou mais de 400 startups com interesse em agro and Food tech (Swissnex)

A meta para o país para 2030, em sua trajetória de perseguir um sistema alimentar sustentável, é que um terço da população suíça esteja consumindo uma dieta saudável em linha com padrões nutritivos recomendados pelo governo, reduzir pela metade o desperdício, diminuir a pegada de carbono do consumo de alimentos em um quarto e aumentar em um terço a proporção de fazendas engajadas em produção sustentável e padrões de bem-estar animal.

Vista de Campo
Vista à AgroScop

Democracia -   A agricultura é personagem importante na Constituição suíça, que adota o conceito de agricultura multifuncional com base no seguinte tripé: fornecimento confiável de alimentos para a população, conservação dos recursos naturais e do campo e assentamento descentralizado da população do país. A Carta Magna do país no Norte salvaguarda as bases para a produção e terras agrícolas. Além disso, a produção de alimentos deve estar adaptada às condições locais das três regiões: os Alpes (Sul e Sudeste) com condições climáticas difíceis, onde está a maior parte dos pequenos agricultores; o Planalto Central (que atravessa o eixo Leste-Oeste) área de maior concentração populacional, com agricultura mecanizada e produção de leite, grãos, vegetais e vinhos; e a Jura (Noroeste), que concentra grandes fazendas e pastagens, criação de gado, produção de leite e queijos.

 A Constituição suíça determina ainda que a agricultura e o setor de alimentos se adaptem aos requisitos de mercado, mas que a produção deve levar em conta a conservação dos recursos naturais e que as relações comerciais transfronteiriças contribuam para o desenvolvimento sustentável da agricultura e do setor e alimentos.

Para regulamentar os princípios constitucionais, desde 1992 a Suíça tem implementado uma reforma gradual da política agrícola e, a partir de então, boa parte do suporte governamental para a agricultura está atrelado a padrões ambientais. Foram estabelecidos pagamentos transitórios, mediante prova de performance ecológica, que substituíram os fundos de apoio ao mercado. Esses pagamentos diretos são oferecidos para diferentes estímulos: assegurar o abastecimento, remunerar produtores rurais, gerar eficiência no uso dos recursos, para sistemas produtivos e para assegurar a biodiversidade. Todos eles com o objetivo de gerar externalidades positivas.

Entre as mudanças da reforma, está a desvinculação dos preços dos alimentos da política salarial, que ocorreu quando foram introduzidos os pagamentos diretos ao setor. Em 2002 foram removidos os preços estatais e as garantias de compra. Outras mudanças adotadas posteriormente aboliram gradualmente o sistema de cotas para o leite, foram adotados leilões para a distribuição de cotas para tarifas de carne, abolidos subsídios para a exportação de produtos agrícolas primários e processados.

     “Não há muitos países que tenham em sua Constituição Nacional definições da política agrícola. São vários dispositivos constitucionais sobre conservação dos recursos naturais, segurança alimentar e da produção agrícola, principalmente as políticas relativas à terra e o solo. A produção de alimentos está atrelada às condições naturais e adaptada a cada uso particular da terra, ou seja, produzir em lugares onde o cultivo é eficientemente é uma questão constitucional”, explicou Delgado.

 Outro aspecto que chamou a atenção do representante foram os efeitos da experiência de democracia direta suíça não apenas na sociedade, mas também na agricultura. “O sistema permite que a população participe diretamente nas decisões em todos os níveis e há diferentes tipos de consultas públicas mediante um número de assinaturas que varia de acordo com a situação”, disse Delgado.

No caso dos referendos obrigatórios, todas as emendas constitucionais aprovadas pelo parlamento precisam ser votadas pela população e os resultados dependem de maioria da população, em geral, e na maioria dos 26 cantões. É também a população quem vota a inclusão da suíça em alguns organismos internacionais, como a Otan, União Europeia e na ONU, em que o país só ingressou em 2002, pois a população havia rejeitado ingresso nas Nações Unidas em 1986.  

Há também referendos opcionais. Qualquer cidadão tem o direito de iniciar uma votação popular nacional para confirmar qualquer projeto de lei aprovado pelo parlamento se coletar 50 mil assinaturas em até 100 dias depois da votação do parlamento. Foi por essa modalidade que o acordo de comércio entre a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), bloco integrado por Suíça, Noruega, Liechtenstein e Islândia -, com a Indonésia, que reduziu tarifas de importação apenas para óleo de palma sustentável – foi confirmada por 51,6% da população no ano passado.

Com 100 mil assinaturas, até 18 meses após a aprovação de qualquer emenda constitucional, também é possível iniciar uma consulta popular. Por esses instrumentos populares, no ano passado os suíços rejeitaram uma moção para a não utilização de pesticidas sintéticos.

 

Visita à Mason Gruyère
Visita à Mason du Gruyère

Comércio – A Suíça importa do Brasil principalmente ouro, café, carne, ração animal preparada, polpa de frutas, tabaco e óleos essenciais, e exporta produtos farmacêuticos, químicos, café processado, bebidas, chocolate, açúcar de confeiteiro entre outros produtos. O Brasil é o principal destino dos investimentos estrangeiros suíços na América Latina, cerca de US$ 8,5 bilhões. Na América Latina, os principais parceiros comerciais são México, Argentina, Colômbia, Chile, Costa Rica, Panamá, Uruguai e Peru. A Suíça soma déficit de US$ 3,9 bilhões com a região, para onde embarca principalmente produtos farmacêuticos e importa ouro, sobretudo do Pero e do Suriname.

 

Em 2019, o Mercosul assinou um acordo de livre comércio com o EFTA. Com a entrada em vigor do acordo, o Brasil e vizinhos contaram com a eliminação imediata, pelos países da EFTA, das tarifas aplicadas à importação de 100% do universo industrial. O acordo também proporcionará acesso preferencial para os principais produtos agrícolas por acesso livre de tarifas ou por meio de quotas e outros tipos de concessões parciais. O acordo abriu oportunidades comerciais para carne bovina e de frango, milho, farelo de soja, melaço de cana, mel, café torrado, frutas e sucos de frutas. Há uma preocupação da sociedade suíça com relação à preservação ambiental, que deve ser objeto das votações populares no âmbito do acordo EFATA-Mercosul.

As experiências de campo da missão em Berna e Zurique envolveram visitas ao Palácio Federal, à Agroscope (equivalente à Embrapa), ao projeto PrestiRed, Fazenda do Futuro Suíça (Agco), Instituto de Alimento, Nutrição e Saúde (ETH) e Swiss Food and Nutrition Valley, Accenture, SeneseFly (fábrica de drones), Vivent e Swissnex.  Segundo Delgado, o trabalho do embaixador da Suíça no Brasil, Pietro Lazzeri, e do primeiro-secretário Martin Eggenschwiler foram essenciais para o sucesso da missão e para facilitar a rede de contato formada entre os participantes.

Além de Delgado, participaram da missão: Iana Maria Abreu Silvestre, assessora de Relações Internacionais na Câmara dos Deputados; Rafael d’Aquino, adido de agricultura da missão do Brasil na OMC; Sybelle de Andrade Silva, diretora de Apoio à Inovação para Agricultura do MAPA; Gustavo de Assis Carneiro, diretor-geral do Instituto Pensar Agropecuário; Matheus Ferreira Pinto da Silva, chefe do Inovação da Confederação Nacional da Agricultura (CNA); Bruno Graça Simões, assessor da Divisão de Promoção de Agrobusiness do Ministério das Relações Exteriores, Simone Mazer Rodrigues, assessora parlamentar do gabinete do senador Jacques Wagner (comissão de meio ambiente do Senado) e Alexandre Morais do Amaral, assessor do Conselho de Administração, Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa.

 

 

Coordenação de Comunicação IICA Brasil

claudia.dianni@iica.int